Vivemos em um mundo de paradoxos, com muita tecnologia e moral questionável, muitos
desafios e um número infinito de desculpas para não os enfrentar, um lugar onde
muito falamos sobre o “politicamente correto” e pouco o praticamos, onde depois
de milênios de convívio social, ainda impera a intolerância, a violência e o
medo.
Você
acorda com o som de seu despertador, em uma cama confortável, em um apartamento
ou uma casa, tira o leite da geladeira, faz o seu café, torra alguns pães
enquanto assiste ao jornal matinal pela TV ou ouve ao rádio, verifica suas
mensagens em seu smartphone, entra no seu carro e segue para o seu trabalho.
Talvez você goste do seu trabalho, talvez tenha estudado anos para executá-lo e
talvez não goste, mesmo tendo estudado.
A
verdade é que desde que você se levantou até este momento, você não se deu
conta de quanta gente teve que se superar, para que esta manhã tenha sido tão
simples, afinal, quando você nasceu já existiam despertadores, camas, casas,
apartamentos, geladeiras, fogões, torradeiras, carros e empregos.
Você
provavelmente já bateu no peito alguma vez e disse: “ – eu não sou
preconceituoso”, discurso básico do “politicamente correto”, porém, em algum
momento, você já deve ter se mudado de lugar, mudado a direção de uma
caminhada, evitado uma conversa ou até mesmo ter tratado mal a algum outro ser
humano, porque este ser humano era “diferente” de você, tinha outra religião,
ou tinha outra opção sexual, ou tinha outra etnologia, ou era de outra classe
social, ou até mesmo era deficiente.
Agora
eu tenho duas novidades, especialmente para quem já viveu uma das experiências
citadas, esqueça o seu “politicamente correto” o nome que se dá a quem ignora,
evita, ofende ou agride a outro ser humano por ser diferente de si é
“preconceito” e não importa o que você utilize de recursos em seu dia a dia, da
sua simples cama confortável ao seu sofisticado automóvel, tudo o que facilita
a sua vida tem um toque ao menos de alguém que você classifica de “diferente”.
As
maiores crueldades que você pode cometer com deficientes são: ignorá-los por
ter certeza que devido a suas deficiências eles são capazes de entendê-lo, tratá-los
com indiferença, afinal, para quem não tem deficiência, muitas vezes um
deficiente é apenas alguém que deveria não sair de casa para não atrapalhar,
desrespeitar suas vagas e seus direitos, pois, você que não é deficiente é mais
produtivo é mais cidadão e a pior das crueldades, olhar para um deficiente e
pensar “coitado”, sem nem tentar esconder em seu olhar.
Todo
deficiente é um ser humano igual a você que não tem deficiência, só com um
pouco mais dificuldade, todo deficiente tem coração, tem sentimentos, mas,
acima de tudo, todo deficiente tem que se superar todos os dias, superar suas
limitações, superar os preconceitos a que é submetido, superar as intolerâncias
e violências.
Então,
a cada quatro anos, acontece uma olimpíada, você assiste ao exemplo de
meritocracia, pois, no esporte não importa de quem você é filho, quanto você é
rico, quanto você é poderoso ou quanto você é belo, porque no esporte tem que
ter entrega, não há ganho sem dor, ou você é o melhor ou você é mais um e por trás
de cada medalha, existe uma história de luta, uma história superação.
E na
sequência, acontecem as paralimpíadas, que acima da meritocracia mostra a verdadeira
e insuperável força humana, atrás de cada atleta paraolímpico existe uma
história de superação humana, mesmo que não seja medalhista.
A
maior agressão cometida contra os deficientes no Brasil, foi a falta de
patrocínio e a falta de interesse da mídia em transmitir os Jogos Paralímpicos
em casa. As empresas provavelmente não quiseram associar sua imagem a
deficientes e a mídia provavelmente preferiu não exibir imagens de deficientes
ao mundo “perfeito” de seus telespectadores.
Uma
pena, perderam a oportunidade de promover a inclusão no Brasil e deixaram de exibir
atletas de alta performance, eficientes, tão eficientes que na prova dos 1500 m
da classe T3 (para atletas com baixa visão) não só o argelino Abdellatif Baka
bateu o recorde mundial com 3m48seg29, como teria sido medalha de ouro nos
Jogos Olímpicos, na realidade os quatro primeiros colocados desta prova superaram
o vencedor olímpico, o americano Matthew Centrowitz, que ganhou a medalha de
ouro com 3m50seg.
A
Paralimpíada Rio 2016 está repleta de histórias de superação, imagens
inesquecíveis e cada vez que se assiste a uma prova, você assiste em tempo real
a história da capacidade de superação humana, a mesma que fez com que uma
espécie sem grandes presas, sem grandes garras, sem couro, saísse das cavernas
para conquistar o espaço.
Somente
para citar alguns desses super exemplos de superação:
Daniel
Dias – Conquistou sua 24º medalha no Rio 2016 e se tornou o maior nadador
paraolímpico.
Abdellatif
Baka (3m48seg29), Tamiru Demisse (3m48seg49), Henry Kirwa (3m49seg59), Fouad
Baka (3m49seg84) – Os quatro melhores colocados na prova dos 1500 m classe T3
(atletas de baixa visão), todos teriam vencido ao campão olímpico
Matthew Centrowitz (3m50seg).
Alex
Zanardi – Conquistou duas medalhas no dia 15/09/2016, data em que faziam 15
anos do acidente onde teve suas pernas amputadas, no grande prêmio da Alemanha
de Formula Indy.
Ibrahim
Hamadtou – O paratleta egípcio que disputa o tênis de mesa, mesmo não tendo os
dois braços, ele utiliza o pé para lançar a bolinha e a boca para segurar a
raquete.
Fica
aqui o meu agradecimento a cada um dos paratletas por nos lembrar o que somos e
do que somos capazes, de onde viemos e porque estamos aqui agora e o meu
sincero pesar pelo falecimento do paratleta do Irã, Bahman Golbamezhad, que
perdeu sua vida em busca da superação, em um acidente na prova de ciclismo de
estrada.
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