domingo, 18 de setembro de 2016

Paralimpíadas Rio 2016 - Superação

Vivemos em um mundo de paradoxos, com muita tecnologia e moral questionável, muitos desafios e um número infinito de desculpas para não os enfrentar, um lugar onde muito falamos sobre o “politicamente correto” e pouco o praticamos, onde depois de milênios de convívio social, ainda impera a intolerância, a violência e o medo.

Você acorda com o som de seu despertador, em uma cama confortável, em um apartamento ou uma casa, tira o leite da geladeira, faz o seu café, torra alguns pães enquanto assiste ao jornal matinal pela TV ou ouve ao rádio, verifica suas mensagens em seu smartphone, entra no seu carro e segue para o seu trabalho. Talvez você goste do seu trabalho, talvez tenha estudado anos para executá-lo e talvez não goste, mesmo tendo estudado.

A verdade é que desde que você se levantou até este momento, você não se deu conta de quanta gente teve que se superar, para que esta manhã tenha sido tão simples, afinal, quando você nasceu já existiam despertadores, camas, casas, apartamentos, geladeiras, fogões, torradeiras, carros e empregos.

Você provavelmente já bateu no peito alguma vez e disse: “ – eu não sou preconceituoso”, discurso básico do “politicamente correto”, porém, em algum momento, você já deve ter se mudado de lugar, mudado a direção de uma caminhada, evitado uma conversa ou até mesmo ter tratado mal a algum outro ser humano, porque este ser humano era “diferente” de você, tinha outra religião, ou tinha outra opção sexual, ou tinha outra etnologia, ou era de outra classe social, ou até mesmo era deficiente.

Agora eu tenho duas novidades, especialmente para quem já viveu uma das experiências citadas, esqueça o seu “politicamente correto” o nome que se dá a quem ignora, evita, ofende ou agride a outro ser humano por ser diferente de si é “preconceito” e não importa o que você utilize de recursos em seu dia a dia, da sua simples cama confortável ao seu sofisticado automóvel, tudo o que facilita a sua vida tem um toque ao menos de alguém que você classifica de “diferente”.

As maiores crueldades que você pode cometer com deficientes são: ignorá-los por ter certeza que devido a suas deficiências eles são capazes de entendê-lo, tratá-los com indiferença, afinal, para quem não tem deficiência, muitas vezes um deficiente é apenas alguém que deveria não sair de casa para não atrapalhar, desrespeitar suas vagas e seus direitos, pois, você que não é deficiente é mais produtivo é mais cidadão e a pior das crueldades, olhar para um deficiente e pensar “coitado”, sem nem tentar esconder em seu olhar.

Todo deficiente é um ser humano igual a você que não tem deficiência, só com um pouco mais dificuldade, todo deficiente tem coração, tem sentimentos, mas, acima de tudo, todo deficiente tem que se superar todos os dias, superar suas limitações, superar os preconceitos a que é submetido, superar as intolerâncias e violências.

Então, a cada quatro anos, acontece uma olimpíada, você assiste ao exemplo de meritocracia, pois, no esporte não importa de quem você é filho, quanto você é rico, quanto você é poderoso ou quanto você é belo, porque no esporte tem que ter entrega, não há ganho sem dor, ou você é o melhor ou você é mais um e por trás de cada medalha, existe uma história de luta, uma história superação.

E na sequência, acontecem as paralimpíadas, que acima da meritocracia mostra a verdadeira e insuperável força humana, atrás de cada atleta paraolímpico existe uma história de superação humana, mesmo que não seja medalhista.

A maior agressão cometida contra os deficientes no Brasil, foi a falta de patrocínio e a falta de interesse da mídia em transmitir os Jogos Paralímpicos em casa. As empresas provavelmente não quiseram associar sua imagem a deficientes e a mídia provavelmente preferiu não exibir imagens de deficientes ao mundo “perfeito” de seus telespectadores.

Uma pena, perderam a oportunidade de promover a inclusão no Brasil e deixaram de exibir atletas de alta performance, eficientes, tão eficientes que na prova dos 1500 m da classe T3 (para atletas com baixa visão) não só o argelino Abdellatif Baka bateu o recorde mundial com 3m48seg29, como teria sido medalha de ouro nos Jogos Olímpicos, na realidade os quatro primeiros colocados desta prova superaram o vencedor olímpico, o americano Matthew Centrowitz, que ganhou a medalha de ouro com 3m50seg.

A Paralimpíada Rio 2016 está repleta de histórias de superação, imagens inesquecíveis e cada vez que se assiste a uma prova, você assiste em tempo real a história da capacidade de superação humana, a mesma que fez com que uma espécie sem grandes presas, sem grandes garras, sem couro, saísse das cavernas para conquistar o espaço.

Somente para citar alguns desses super exemplos de superação:

Daniel Dias – Conquistou sua 24º medalha no Rio 2016 e se tornou o maior nadador paraolímpico.



Abdellatif Baka (3m48seg29), Tamiru Demisse (3m48seg49), Henry Kirwa (3m49seg59), Fouad Baka (3m49seg84) – Os quatro melhores colocados na prova dos 1500 m classe T3 (atletas de baixa visão), todos teriam vencido ao campão olímpico Matthew Centrowitz (3m50seg).



Alex Zanardi – Conquistou duas medalhas no dia 15/09/2016, data em que faziam 15 anos do acidente onde teve suas pernas amputadas, no grande prêmio da Alemanha de Formula Indy.



Ibrahim Hamadtou – O paratleta egípcio que disputa o tênis de mesa, mesmo não tendo os dois braços, ele utiliza o pé para lançar a bolinha e a boca para segurar a raquete.



Fica aqui o meu agradecimento a cada um dos paratletas por nos lembrar o que somos e do que somos capazes, de onde viemos e porque estamos aqui agora e o meu sincero pesar pelo falecimento do paratleta do Irã, Bahman Golbamezhad, que perdeu sua vida em busca da superação, em um acidente na prova de ciclismo de estrada.


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